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Joint Venture: Análise Jurídica, Estrutural e Estudo de Caso – IMC & Kentucky Foods Chile (KFC)

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Por Priscila Kátia Miguel Fakine
19 May 2025 6 minutos de leitura
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A joint venture é uma forma de associação empresarial que, embora não possua previsão legal específica no ordenamento jurídico brasileiro, encontra fundamento no princípio da liberdade contratual previsto no artigo 425 do Código Civil. Essa liberdade permite que as partes celebrem contratos atípicos, desde que não contrariem a ordem pública, os bons costumes e a função social do contrato, conforme determina o artigo 421 do mesmo diploma.

O termo, oriundo do Direito anglo-saxão, designa um modelo de cooperação entre duas ou mais entidades empresariais que se unem para alcançar objetivos comuns, geralmente delimitados no tempo e no escopo, sem que percam sua personalidade jurídica individual.

A joint venture pode assumir forma meramente contratual ou resultar na constituição de uma nova sociedade, caracterizando-se, neste caso, como joint venture societária.

Historicamente, a joint venture surgiu como alternativa estratégica para empresas multinacionais ingressarem em novos mercados, particularmente em ambientes jurídicos e culturais distintos. Nos Estados Unidos, sua adoção intensificou-se a partir do início do século XX, com notável crescimento após a Segunda Guerra Mundial, quando empresas buscaram alianças para reconstrução de mercados e expansão internacional. No Brasil, esse instituto ganhou importância nos anos 1990, com a abertura econômica promovida pelo Plano Collor e a estabilização monetária trazida pelo Plano Real, criando um ambiente mais propício à entrada de capital estrangeiro e à formação de alianças estratégicas entre empresas nacionais e internacionais.

A segurança jurídica das operações de joint venture exige uma estrutura contratual minuciosamente elaborada, que preveja todos os aspectos da operação conjunta. Um contrato de joint venture deve, necessariamente, delimitar com clareza o objeto da associação, ou seja, a atividade econômica ou empresarial a ser desenvolvida pelas partes. Também é essencial que o instrumento disponha sobre a forma de contribuição de cada parte – seja em capital, ativos, conhecimento técnico (know-how) ou força de trabalho – e os critérios para a distribuição de lucros e prejuízos. A ausência de tais previsões pode gerar conflitos de interpretação e, por consequência, litígios de difícil resolução.

Outro ponto de grande relevância diz respeito à governança da joint venture. A definição das regras de administração, os direitos de voto, o quórum para deliberações e a designação de administradores devem ser expressamente definidos no contrato ou estatuto social da nova sociedade, a fim de evitar impasses e proteger os interesses das partes minoritárias. Recomenda-se, ainda, a inclusão de cláusulas de confidencialidade, não concorrência e exclusividade, para preservar os ativos intangíveis e a vantagem competitiva decorrente da cooperação entre os sócios.

No que tange à eventual dissolução da joint venture ou à saída de um dos sócios, é imprescindível a previsão contratual de mecanismos como cláusulas de buy-sell, tag along, drag along e lock-up, que garantem equilíbrio e previsibilidade às partes envolvidas. Além disso, diante da complexidade dessas operações, recomenda-se a adoção de métodos extrajudiciais de solução de conflitos, como a arbitragem, nos termos da Lei nº 9.307/1996, que confere celeridade e especialização ao julgamento das disputas contratuais.

A elaboração de um contrato de joint venture eficaz deve considerar também os reflexos tributários, concorrenciais e trabalhistas da operação. Fran Martins (2003) destaca que “a joint venture não pode ser confundida com fusão, incorporação ou consórcio, embora compartilhe com essas figuras certos elementos em comum”, sendo, no entanto, caracterizada pela cooperação temporária e direcionada. Fábio Ulhoa Coelho (2015) observa que “a ausência de regulamentação específica exige que o operador do Direito utilize os princípios gerais do Direito Contratual, bem como se valha da analogia com os contratos típicos societários para a correta estruturação e interpretação do negócio jurídico”. Modesto Carvalhosa (2006) salienta que, na estrutura societária da joint venture, a observância às normas da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976) é indispensável, sobretudo quanto à governança, deveres fiduciários e direitos dos minoritários.

Como exemplo prático e contemporâneo, destaca-se a joint venture formada entre a International Meal Company (IMC) e a Kentucky Foods Chile Limitada, visando a expansão da marca KFC no território brasileiro. Nesta operação, as partes acordaram na constituição de uma sociedade com participações societárias respectivas de 58,3% e 41,7%, conferindo ao sócio estrangeiro o controle da operação. O aporte financeiro de US$ 35 milhões, que avalia a operação em US$ 60 milhões, demonstra a relevância econômica do negócio e sua vocação para alavancagem da marca no Brasil.

Sob a ótica jurídica, a operação reflete diversos dos elementos essenciais a uma joint venture societária: exclusividade territorial, governança compartilhada, preservação da autonomia empresarial das partes, partilha de riscos e sinergia operacional. O contrato provavelmente incorporou cláusulas de confidencialidade, não concorrência, regras de aporte, regramento de retirada e governança qualificada, refletindo as melhores práticas do Direito Empresarial moderno.

Destaca-se também o caráter estratégico da operação, que permite à IMC focar em suas marcas prioritárias, reduzir seu endividamento e, ao mesmo tempo, manter participação relevante em um mercado em franca expansão.

O envolvimento direto da Yum! Brands, detentora global da marca KFC, e o fato de a Kentucky Foods Chile possuir mais de 550 restaurantes próprios da rede na América Latina, confere robustez e confiabilidade à operação, garantindo transferência de expertise e padronização de procedimentos. Do ponto de vista concorrencial, a operação também deverá ser submetida à análise do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em razão dos reflexos no mercado nacional de fast food.

Em conclusão, a joint venture é um instrumento jurídico e empresarial de elevada complexidade, que demanda atenção multidisciplinar, envolvendo Direito Contratual, Direito Societário, Direito Concorrencial, Direito Tributário e Governança Corporativa. Quando adequadamente estruturada, oferece vantagens significativas para as partes envolvidas, permitindo expansão de mercados, diluição de riscos, partilha de recursos e fortalecimento estratégico. O caso IMC/KFC revela-se como modelo bem-sucedido de uso da joint venture como mecanismo de alavancagem e reorganização empresarial, em conformidade com os preceitos do Direito Empresarial contemporâneo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei das Sociedades por Ações. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Comerciais. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

FIUZA, César (Org.). Novo Código Civil comentado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a Arbitragem.

BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

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